sexta-feira, 29 de maio de 2009

Patrimônio pra quê? por Rocco Lopes





(De baixo pra cima: antigo prédio da prefeitura, praça da Conceição e o casarão do padre) Achei as fotos no flogao.com.br/cidadedemocajuba)


Se meus cálculos não estão errados, Mocajuba deve completar 114 anos neste mês de junho(se estiver errado, me corrijam).É uma senhora cidade, cujas rugas e a beleza da maturidade foram maquiadas, disfarçadas ou mesmo apagadas ao longo das duas últimas décadas, infelizmente. Quando tanto se fala na necessidade de se resguardar o patrimônio histórico, materializado por casas, prédios públicos e logradouros, em Mocajuba, diante da inércia da sociedade, ocorre justamente o contrário: os poucos marcos históricos verificados na arquitetura e na urbanização local vêm sendo sistematicamente pulverizados em nome da reestruturação urbana, da estética do moderno e do funcional.Acaso não vêem que um lugar sem seus prédios, igrejas, praças e ruas antigas é um lugar sem identidade, sem vida, sem história e sem expressão? O que pode parecer belo aos olhos de reformador compulsivo é feio e morto aos olhos da história.É como uma pessoa que exagera nas cirurgias plásticas, sem rugas na face, sem marcas da velhice, mas completamente desprovida das emoções, expressões e beleza que o tempo traz.O que está acontecendo com Mocajuba é a plastificação, imposta, das nossas memórias.
Qualquer mocajubense com 20 anos não chegou a conhecer a Mocajuba que eu, com 30, conheci. Lá pela segunda metade dos anos 80 ainda se via o monumento ao fundador da cidade, Jerônimo Antonio de Farias, em concreto e bronze, à esquerda da igreja da Conceição.Com o primeiro mandato de Wilde Colares, quando a praça passou por uma "modernização embelezadora" o busto simplesmente foi extirpado dali. Na mesma leva foram também o antigo coreto (chamado de cliper na época)e os banquinhos de cimento.Pergunto: onde foi parar o busto em bronze, patrimônio material e cultural do município? Ninguém sabe. Naquele mesmo período o prédio da prefeitura foi reformado, tendo sido bastante alterado em sua arquitetura original.
Quando eu ainda morava em Mocajuba, existia um casarão de linhas coloniais bem próximo à rampa da feira e todos o chamavam de " Casarão do padre", devido ter sido a primeira residência paroquial e que, ao longo dos anos, abrigou desde oficina até a escola de música do Mestre Vivico.Era uma das mais antigas construções da cidade, que poderia sediar um museu, uma casa de cultura, onde se pudesse fazer exposições da memória da cidade.Isso nunca aconteceu. Na última vez que estive em Mocajuba, descobri que o casarão teve a parede demolida e hoje abriga um comércio. Além desses casos, quem lembra das ruínas de um cemitério que havia na antiga Saex? Ou da praça do estudante, do antigo trapiche ? Foi tudo eliminado da paisagem urbana da cidade sob o discurso da modernização e funcionalização.
O curioso (ou não) é que nunca qualquer autoridade tenha levantado a bandeira da conservação de tais patrimônios, como acontece com muita força na Vigia, onde o resgate da história e da memória da cidade tem sido uma preocupação constante, não só das autoridades, mas também do povo. No caso de Mocajuba, onde estavam os secretários de cultura do Município nesses anos todos? Quem eram eles? O que entendiam de cultura e patrimônio ?
Uma pena, verdadeiramente uma pena.Precisamos dessas heranças, que são legítimas e indispensáveis para a construção de um futuro que não renega o passado, de jovens que saibam que o solo em que pisam não se formou quando eles nasceram. As escolas devem ser o lócus dessa retomada, no sentido de trazer à tona o amor de cada cidadão para com sua terra, divulgando-a e valorizando-a.E a sociedade deve cobrar, pois é direito nosso.A minha bronca começa aqui.Mocajuba não pode ser a bela mulher de sorriso sem sentimento e face sem expressão. Nesses 114 anos adoraria encontrá-la como uma senhora saudável, bonita e orgulhosa de seus cabelos brancos e rugas.

Rocco Lopes

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