segunda-feira, 9 de maio de 2011

Pará: governo do pará e governo federal em guerra jurídica pela posse da ilhas interiores.

O jornal O Diário do Pará trouxe neste domingo um tema que já se discutia aqui no bastidores da universidade: a disputa pelo controle fundiário das ilhas. Nos últimos tempos muitas famílias foram inseridas dentro da política de reforma agrária pela transformação das ilhas emassentamentos.

Em Mocajuba, as Ilhas do Tauaré, Angapijó, Ilha de Conceição e Ilha de Vizeu entraram para o programa federal. No baixo-tocantins  são dezenas de ilhas e milhares de famílias atendidadas com fomento, crédito produtivo e crédito habitacional.

Durante séculos não houve uma política consistente para atender as nossas comunidades ribeirinhas e de várzea. Minha preocupação é se nessa briga a corda não vai quebrar do lado mais fraco.
Veja a reportagem abaixo.
Ninguém sabe dizer ao certo quantas ilhas fluviais, lacustres e costeiras existem no Estado do Pará. Nem o IBGE sabe com precisão. Há quem fale em torno de cinco mil ilhas, porém o número mais aceito entre os técnicos do setor público e estudiosos da temática fundiária situa-se em torno de sete mil. É verdade que essa questão nunca preocupou para valer a sociedade paraense, nem mesmo o poder público, em última instância o responsável pela gestão do patrimônio do Estado.

Essa situação, todavia, começa a mudar. E não só porque dirimir essa dúvida passou a ser, de repente, algo de uma relevância que o assunto nunca teve antes. O Instituto de Terras do Pará, com o aval do governador Simão Jatene e o respaldo da Procuradoria Geral do Estado, está agora interessado em saber quantas ilhas temos. Mais que isso, tem interesse em conhecer também a dimensão da área física que elas representam e, acima de tudo, está empenhado em assumir efetivamente o controle do seu patrimônio.

Ao lado do Executivo, em defesa dessa pretensão, encontram-se ainda a Assembleia Legislativa e o Ministério Público Estadual. No âmbito legislativo, coube ao deputado José Megale a iniciativa de requerer a inserção, nos Anais da Assembleia, de documento elaborado pela direção do Iterpa defendendo a posse das ilhas fluviais, lacustres e costeiras do Pará como bens legitimamente pertencentes ao patrimônio do Estado.

Alcançar esse objetivo, porém, não será ao que tudo indica uma tarefa fácil, porque do outro lado, em posição oposta, estão o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Ministério Público Federal e a Superintendência Regional do Patrimônio da União. Contando, no governo passado, com o ativismo conivente do Iterpa e o apoio jurídico da própria Procuradoria Geral do Estado, as três instituições desencadearam, na ilha do Marajó, uma agressiva política de assentamentos.

Ao arrepio da lei e de mandamentos constitucionais, a prevalecer o entendimento jurídico hoje dominante na área estadual, o Incra se dispôs a confrontar o Pará com um fato consumado, para isso contando com o respaldo do MPF e da GRPU. Conseguiu em parte, mas ao mesmo tempo lançou nas terras marajoaras as sementes de um litígio que deve estrondear com força nos próximos dias já na esfera judicial.

“Nós não somos contra os assentamentos, e isso deve ficar bem claro”, afirmou esta semana o presidente do Iterpa, Carlos Lamarão, ao vocalizar o sentimento e a pretensão do Estado. “Nós somos contra é a metodologia que permite o uso dessas terras como se fossem da União. Com isso, o que se quer é que o Estado do Pará abdique do seu patrimônio, já barbaramente saqueado pelo decreto 1164 e seus penduricalhos”, acrescentou.

À Justiça caberá o papel de decidir, afinal, a quem pertencem de fato os milhares de ilhas existentes no Pará – se ao Estado, como pretendem o Iterpa, a Procuradoria Geral e a Assembleia Legislativa, ou à União Federal, como entendem o Incra, o Serviço do Patrimônio da União e o Ministério Público Federal. “O Pará foi historicamente o mais saqueado dentre todos os Estados brasileiros. A nossa proposta tem como objetivo resgatar esse patrimônio que é da sociedade paraense”, enfatizou o presidente do Iterpa.
Iterpa se ampara em sólidos pareceres jurídicos

Em março de 2006, na condição de procurador do Estado e também como diretor jurídico do Iterpa, Carlos Lamarão, que hoje é presidente o Instituto de Terras do Pará, elaborou parecer sobre a questão do domínio sobre as ilhas fluviais, lacustres e costeiras à luz da Constituição. O parecer foi preparado a pedido da presidência do Iterpa – cargo exercido na época por Rosyan Britto –, que buscava se respaldar juridicamente para se posicionar em relação aos pedidos de regularização de terrenos rurais situados em ilhas dentro do território paraense.

Interpretando a Constituição Federal de 1988, Carlos Lamarão sustentou a tese da plena dominialidade dos Estados sobre as ilhas fluviais e lacustres situadas no âmbito de seus territórios. De igual modo, asseverou que pertencem ao domínio dos Estados as ilhas costeiras que não estejam em faixa de fronteira com outros países. Esse entendimento, segundo ele, foi defendido inclusive pelo notável corpo de juristas responsável pela reedição atualizada da conhecida obra “Direito Administrativo Brasileiro”, de autoria do jurista Hely Lopes Meirelles, considerado um dos mais importantes e influentes doutrinadores do direito público no Brasil.

Nesse trabalho, conforme destacou Carlos Lamarão, os autores da obra sustentam a tese de que “as ilhas dos rios e lagos públicos interiores pertencem aos Estados membros, e as dos rios e lagos limítrofes com Estados estrangeiros são do domínio da União”. Esse entendimento é inferido do disposto no artigo 20 da Constituição Federal de 1988, que, embora não se refira às águas públicas internas, declara expressamente que se incluem entre os bens da União “as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países”.

Segundo a interpretação dos juristas, abraçada também por Carlos Lamarão, essa reserva das ilhas das zonas limítrofes para a União importa reconhecimento de que as demais permanecem no domínio dos Estados-membros. Esta, aliás, é também a opinião do tratadista José dos Santos Carvalho Filho, em sua obra “Manual de Direito Administrativo”. O entendimento jurídico de Carvalho Filho é de uma clareza solar.

“Apesar de algumas controvérsias sobre o domínio das ilhas internas, situadas em rios e lagos pertencentes ao Estado, parece-nos claro que a Constituição só quis atribuir ao domínio da União as ilhas fluviais e lacustres nas faixas de fronteiras por razões de defesa e segurança nacional. As que se situam nas águas do domínio da União também serão, logicamente, de seu domínio. Fora daí, o domínio é dos Estados”, afirmou.

Amparado em vasta literatura jurídica, Carlos Lamarão, ele próprio reconhecido como renomado especialista na matéria, diz ter a firme convicção de que o Iterpa possui competência institucional para exercer a plena jurisdição nas áreas rurais situadas em ilhas pertencentes ao Estado do Pará. Esse entendimento municia o arsenal de que o Estado deverá lançar mão para resgatar o seu patrimônio fundiário. (Diário do Pará)

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