sexta-feira, 19 de junho de 2009

Louco é quem me diz que não é feliz...

Eneida de Moraes, a grande escritora paraense, enquanto morava no Rio de Janeiro escreveu o conto "Tanta gente", no qual se referia com carinho aos moradores de rua e figuras folclóricas que circulavam pela Belém de sua época e que faziam parte das melhores memórias de sua infância. Muitos desses personagens reais eram pessoas acometidas por problemas psiquiátricos e que vagavam pelas ruas de Belém como, aliás, vagam até hoje [por hora vamos deixar a indiferença do poder público de lado e ressaltar que doença psiquiátrica é coisa séria e que merece apoio e cuidado]. O que me ocorre agora é que, quando se é criança o mundo é um grande circo e qualquer pessoa, um palhaço. Eneida nos conta que ela e os moleques de sua rua se divertiam com os loucos transeuntes daquela Belém, no que de fato não havia maldade alguma. Falo disso porque dia desses, navegando no orkut, deparei-me com a comunidade " Já nadei com o Otávio em Mocajuba", por sinal na página da Carmen Américo. Às voltas com esse mundo de cidade grande, confesso que há anos não me vinha à mente a figura de Otávio, e foi só o pontapé inicial para desfilarem em minha mente todas as figuras folclóricas, loucas, marginais ou sem adjetivo nenhum, da Mocajuba do meu tempo.Assim como Eneida, vejo com carinho e humanidade cada um desses mocajubenses.
Otávio era o cara que morava no rio. De vez em quando o via ali pelo bairro da Pedreira, embaixo das pontes, na época em que frequentava a casa de Seu Bianor. Diziam que era boto, ou filho dos botos e que com eles nadava. Muito branco e barbudo, Otávio lembrava Tom Hanks no filme "Náufrago". Nunca ouvi dizer que tivesse parentes e nem onde comia ou dormia. Otávio era do rio e parece que lá ainda está.
Zaqueu era filho de Dona Rainha e já nasceu com problemas mentais. Criado preso em casa, Zaqueu era o terror da molecada quando escapava. Com seu calção na altura do umbigo e a cabeça raspada, Zaqueu apedrejava o primeiro moleque que passasse em frente de sua casa. Eu, que na época morava na Rua Lauro Sabbá e estudava no turno do intermediário, era um dos mais medrosos. Quando chegava em frente à casa de Dona Pitoca, parava, respirava e corria. E se Zaqueu estivesse por ali era certo que a pedra ia voar sobre nossas cabeças.
Sapinho era alcólatra de rua. Sempre bêbado e inchado, vagava pela feira de Mocajuba chamando os palavrões mais cabeludos e desafiando todo mundo. Diziam que já fora rico e que o alcolismo o fizera perder tudo. Muitas vezes o vi dormindo diante da porta de algum bar do antigo trapiche.
Manezinho era outro louco de rua. Vagava pelo centro e pela periferia pedindo dinheiro, com seu indefectível pão sempre à mão e seu grito de guerra "Piiiiiiiiiii" (o grito quem lembrou foi o meu primo Alex). Morava ali próximo ao colégio Almirante Barroso, mas durante o dia, sob sol ou chuva, a rua era o seu lugar.
Dessas figuras, pra mim a mais marcante era Antonio Cego. Andava pela cidade toda, sem cajado ou acompanhante, conhecia todo mundo, mesmo que o sujeito ficasse calado, e era metido a cantor. Na época em que não havia luz elétrica no bairro da Pranchinha, o Antonio Cego era nossa diversão. Com sua bateria de lata de querosene e suas composições próprias, divertia a todos em frentes das casas.
Ainda tinha a Tia Ola, a Maria Raimunda, o Ernane e muitos outros de quem não lembro agora. Eram nossa diversão de moleque, caboclinhos com nada a fazer a não ser curtir a vida naquele lugar maravilhoso. E nossos amigos, loucos, desajustados, vivendo em seu universo paralelo já eram parte de nossa rotina. Bons tempos e grandes histórias. Inspirado por Eneida de Moraes faço deste post a minha homenagem a esses mocajubenses inesquecíveis.
Rocco Lopes

3 comentários:

Carmen Américo disse...

"ê parente !!! Pará com isso que eu até me emociono.

Unknown disse...

nostalgia,ainda tinha o antonio cego e sua bateria de lata infernal...rsrsrsr.

ane barros disse...

sem dúvida foram pessoas q marcaram nossa infância, tempos q não voltam mas,confesso q quando criança morria de medo do sapinho,manezinho e do hernandes....rsrsrsrsrs
parabéns pelo artigo!!!

"Veja bem, meu amigo, a consciência é um orgão vital e não um acessório, como as amígdalas e as adenóides."(Martin Amis)

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