domingo, 6 de janeiro de 2013

É domingo....

[...]Ontem tive mais uma crise alérgica.
Sempre acho que posso morrer. 
A dificuldade de respirar é intolerável. 






***



ILUSTRAÇÃO
Nunca aceitei essa alergia que desenvolvi [...]
Eu fui criada na "beira da estrada", andava com meu cabelo "durinho-da-silva" de poeira....

Acho que até minha alma era poeira naqueles tempos.
Minha mãe escalava entre os filhos quem ia tirar crostas de poeira de cima dos "móveis".


Ainda bem que eram só uns bancos ("muchos") e uma pequena bacada - "a pentiadeira" na sala.
Essa poeira era o terror de todas as donas de casa.
Invadia tudo. 

Perdíamos-nos nas nuvens de poeira amarela que se formavam. 







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Tempos bons [...]
Não pela poeira.
A cidade não tinha sido invadida pelo tráfico e pela violência.










***
ilustração
Se eu fechar os olhos consigo lembrar do gosto da poeira, que, não raro, insistia em entrar garganta a dentro.
Lembro do peso também.
Quando as "caçambas" passavam [...]  uma rajada de poeira e pequenas pedras elas lançadas sobre nós.
Era preciso habilidade.
Mas não lembro de nenhuma crise alérgica.
Lembraria.
***






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Pois é.
Imaginem se eu tivesse alergia a pó naqueles tempos.
Tempos em que a Teófilo Ottoni, na altura da boca da estrada,  era coberta daquela poeira amarelada que ficava grande parte do dia suspensa pelo movimentos dos caminhões e tratores que carregavam pimenta, mercadorias e gente. 
Da riqueza dos tempos áureos da pimenta era o que ficava para mim.
Se eu tivesse essa fragilidade na saúde que tenho hoje.
Teria morrido.
Mas como diz uma amigo africano, "quando não tens ninguém para ajudar, é Deus que ajuda".


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Pois bem.
Em Belém, nos primeiros anos da faculdade, desenvolvi alergias a pó. Ou  a"poeira doméstica" como dizem os médicos.
O fato é que as vezes penso que vou morreêêêêêêêêêêêêêêr.



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Não morro.
Mas sofro.
E não entendo.
Como, eu, que fui criada no meio da poeira,
Tomando banho de lama 
Hoje não posso pegar uma poeirinha.




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Vejam que até banho na lama eu tomava.
[Nessa hora uma grande vontade de rir invade meu peito dolorido]






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Éééé verdaaaade. 
Quando chovia, a água da chuva escoava por sobre a rua, ainda coberta apenas apenas com "piçarra".
Asfalto era só "pros-pessoal-lá-do-centro" da cidade.
Eu meus irmãos e nossos vizinhos, nos jogávamos naquelas pequenas piscinas de lama amarela que se formavam.






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Nessa época vivia outro conjunto de famílias naquele trecho da Teófilo - da Boca da  Estrada.
Não sei porquê, mas meu irmão Maurício chamava de "Boca do Inferno".
Um dia acordei e dei-me conta que todos tinham mudado.
A crise da pimenta levou todos embora. 
Ou quase. As crianças, certamente, sim.
Era muita gente, diferente.
Muitas crianças.
Na casa da "Tia Flor" tinha uns 10. 

Uma casa.
Uma avó.
Muitas crianças.
Nenhuma renda.
Comida escassa. 

***

Destes 10,  sei do paradeiro de um, que foi adotado pelo seu Joaquim e Dona Fátima.
O Diego.
Mas por onde será que anda o "Panha"?




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Desde o pessoal do "Lafugo" até o pessoal da "Dona Benedita e do Seu Moizane" - lá embaixo.
Na "dobra".
Naquela época as distâncias eram bem maiores para mim.
Deste tempo, ficaram poucos moradores na rua de casa.







Ha!! era uma festa quando chovia.
E como sabemos chove muito.
Não lembro-me bem.
Não era sempre que chovia que ficávamos na rua.
Acho que era quando a "chuva-pegava-a-gente-na-rua".
Mas era frequente.
Quando caia aquela chuvooona mesmo !!




***
Não nos contentávamos em tomar banho de chuva.
A gente tomava banho nas poças d'agua  que se formavam rapidamente - escoando.
Tinha um pequena depressão que se seguia até o "Moisane".
A água corria para lá.
Não tinha esgoto.
Era água e terra amarela e tudo mais.



***


Bem a festa era grande [...] 
Até minha mãe aparecer. (Ou outra mãe).
E mandar a gente carregar água  para lavar aquela "lamaiada" toda.
É carregar água na cabeça, cada um com sua latinha.




ILUSTRAÇÃO




Vejam só.
Banho de lama.
Não era bem lama.
Mas era quase isso.
Ou mais que isso.




****
Mas não acaba ai.
A gente também tomava banho na água empossada.
[...] Imprópria para banho?
Não sei o que diriam os médicos.
Mas neste caso, não eram apenas  meus irmãos e vizinhos, 
Vizinhos mais afastados também vinham.
E muitos.
Para refrescar.
Para lavar louça - com areia.
Lavar roupa.
Havia notícias de gente que "se-emprenhava" por lá .
Eu era pequena demais, morena, cabeluda e maaagra.
Canela de socó - dizia meu pai.



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Quem lembra do Poção ou Pução?
ilustração
lago 



Ali onde é hoje  o "NovoHorizonte", formavam-se piscinas pretas, lindas.
Uma imagem que povoou minha infância.
Eram várias lagoas que rodeavam ilhas de mata -  capoeira.
Ilhas verdes, lagoas pretas, areia bem branquinha e céu azul.



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A imagem era formada por aquele céu em forma de cuia que caia sobre nós emendando na mata.

As ilhas verdes...
Os inúmeros lagos de água preta que se formavam a partir de dezembro.
Eram muitos.

O maior, chamava-se "pução".
Acho que significava algo como "poço grande" com um que de sotaque regional.





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Os lagos na verdade eram formados de água empossada e afloramento dos lençóis freáticos da área.
Esses lençóis afloravam por causa da exploração de areia para construir a cidade na época áurea da pimenta-do-reino.



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A " farra" era sempre depois do almoço.
Quando os pais faziam a " cesta".




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A gente caminhava através dos quintais, em pequenos caminhos 
Íamos catando uns frutinhas pretas, doces e comendo até chegar ao "pução".
Parecia loooonge.


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O inusitado  é que a água do "pução" era "empossada", quando as chuvas cessavam em meados de Maio, a água preta  transformava-se em um caldo verde - verde, verde.


***
Bem, a gente não banhava mais, esperava secar e voltar a encher no ano seguinte.
Ficava a lembrança do gostos das frutinhas pretas, do cheiro da água e da mata e da gritaria no lago. 
Muita gritaria.





***
Pois é. 
Não lembro dessa tal de alergia. 
Contudo, hoje ela insiste em me cobrar toda a felicidade daquele tempo que ainda havia revoada de borboletas em Mocajuba.


Bom Domingo a Todos e Todas.


ilustração



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"Veja bem, meu amigo, a consciência é um orgão vital e não um acessório, como as amígdalas e as adenóides."(Martin Amis)

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