terça-feira, 17 de abril de 2012

Mocajuba: Direitos Quilombolas Sob Risco



Gente, é  amanhã o dia D da questão quilombola nos últimos tempos.  O texto abaixo é de Daiane Souza da Fundação Palmares e os grifos e destaques são do blog. 
É muito importante
A garantia das terras ocupadas por remanescentes de quilombos é dever constitucional e compromisso do Estado. Protegido pelo Decreto 4887/2003, este direito se vê ameaçado por um julgamento que pode mudar aspectos da implementação da legislação quilombola do país. A apreciação do documento pelo Superior Tribunal Federal está agendada para esta quarta-feira (18) a partir das 14h.
A partir do Decreto 4887/2003 foram grandiosos os avanços para as comunidades rurais negras brasileiras no sentido de garantia de seus demais direitos constitucionais. O documento veio para detalhar e especificar as diretrizes administrativas para o que é previsto nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal:
“o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (Constituição de 1988).
Embora questionado pelo Partido Democratas por não ser uma lei, de acordo com especialistas, o Decreto que é juridicamente suficiente tem sua importância e eficácia reforçadas pela legislação que ampara a população negra no país. Otimista quanto ao resultado do julgamento, Eloi Ferreira de Araujo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), fala sobre os avanços garantidos pelo documento que também é apoiado pelo Estatuto da Igualdade Racial, segundo maior marco jurídico da história da população negra brasileira. 
Confira no resto do Fuxico:


Ascom/FCP – Como a Fundação Cultural Palmares avalia a legislação em defesa da população quilombola brasileira?           
Eloi Ferreira – O Brasil dispõe de poucos marcos legais para proteção e promoção da cultura afro-brasileira, da cultura negra e, especialmente, da população negra. Em 1888, tivemos o primeiro grande marco legal que acabou com a escravidão e mudou o cenário nacional. Ocorre que aquela luta grandiosa, que tomou todos os cantos do Brasil, não conseguiu estabelecer os mesmos direitos que eram assegurados aos imigrantes europeus aos ex-cativos. Depois disso, somente em 2010 foi possível a sanção do Estatuto da Igualdade Racial que estabelece possibilidades que têm que ser apropriadas por toda a nação, tendo em vista a construção da igualdade de oportunidades e a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Ascom/FCP – Qual o papel do Decreto 4887/2003 na legislação brasileira?  
Eloi Ferreira – O Decreto é o que regulamenta o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, hoje regulamenta também o Artigo 34 do Estatuto da Igualdade Racial, que dispõe sobre o direito dos remanescentes de quilombos terem suas terras tituladas e reconhecidas. Esse é um decreto cidadão, que vem no sentido de reparar um pouco do ocorrido durante os 380 anos de escravidão da população negra. Ele busca a construção de um ambiente de igualdade entre negros e não negros e, ao mesmo tempo, tem o papel de amenizar o sofrimento em torno do que houve ao longo dos séculos a essa população em decorrência das consequências da abolição. O Decreto 4887/2003, agora recepcionado pelo Estatuto, tem as condições de avançar para a proteção das comunidades remanescentes de quilombos que com a sua cultura e sua resistência são os herdeiros de toda a história da formação da identidade nacional.
Ascom/FCP – Em oito anos de sanção do Decreto 4887/2003 o que foi possível em termos de atendimento às comunidades quilombolas?      
Eloi Ferreira – Foram feitas
muitas coisas. Pelo menos 1.820 comunidades quilombolas foram certificadas, 121 foram tituladas a partir da certificação e 149 relatórios técnicos de identificação e delimitação e inúmeros processos em andamento. Nesse sentido, é possível dizer que a implementação do Decreto 4887/2003 está em andamento, mas os resultados produzidos por ele precisam ser apropriados por todo o Estado brasileiro tendo em vista reparar a dívida que tem para com a população negra.
Ascom/FCP – É possível dizer que o Decreto 4887/2003 e o Estatuto da Igualdade Racial se complementam? De que maneira?         
Eloi Ferreira – O Decreto 4887/2003 é um documento eficaz e reforçado pelo
Estatuto da Igualdade Racial que é um documento estruturante no quadro jurídico nacional para a consolidação da equidade.
Ascom/FCP – Comente sobre a ação contra a constitucionalidade do Decreto 4887/2003:
Eloi Ferreira – Essa ação trabalha dois vieses: algumas análises dão conta da preocupação racista que ainda está presente na sociedade brasileira, ou seja, a questão racial ainda não foi resolvida. Outras se debruçam sobre a questão das terras no sentido de que querem ofender a territorialidade da comunidade negra. No caso das áreas ocupadas pelas comunidades quilombolas certificadas, elas ocupam menos
de 1% do que é propriedade de cerca de cinco grandes latifundiários nacionais. A ação ofende a população negra brasileira, os tratados internacionais e não leva em consideração que a população negra brasileira não recebeu o mesmo tratamento que a população não negra no processo de construção do Estado, do desenvolvimento do capitalismo nacional. É evidente que é o Estado quem deve reparar essa dívida e esta ação quer impedir que a reparação ocorra para que o Brasil seja de fato um país democrático. Ninguém bate no peito dizendo que é racista, mas uma decisão como esta ofende a uma população que já foi muito ofendida na sociedade.
Ascom/FCP – No pior cenário possível, a anulação ou alteração negativa do Decreto 4887/2003 comprometeria o que estabelece o Estatuto da Igualdade Racial no que diz respeito à população quilombola?         
Eloi Ferreira – Não trabalho com essa possibilidade, porque o
Estatuto da Igualdade Racial é uma lei, a primeira desde o fim da escravidão no país. Ela veio para proporcionar a construção da igualdade de oportunidades e essa lei é rigorosa, foi aprovada por maioria de votos e ela não será ofendida. Assim acredito, assim como creio que o Decreto também será acolhido pela mais alta corte de justiça do nosso país.
Ascom/FCP – De que maneira a Fundação Cultural Palmares tem participado da mobilização a favor do Decreto 4887/2003?
Eloi Ferreira – A Fundação Cultural Palmares tem se empenhado em dialogar com a Advocacia Geral da União, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, bem como com todos os atores do Governo que atuam nessa área. Ao mesmo tempo promove o diálogo com a sociedade civil por meio das organizações e representantes das comunidades remanescentes de quilombos. O objetivo é dialogar com todos, buscando encontrar o caminho para se preservar e assegurar os direitos dessas comunidades em nosso país.
Ascom/FCP – Outras considerações? 
Eloi Ferreira – O Brasil vive hoje um momento muito especial.
É a sexta economia do mundo e que ainda tem temas muito fortes para tratar e resolver como a erradicação da miséria e do analfabetismo. Esses dois problemas acometem a população negra de uma forma muito perversa e já são prioridades nos programas do Governo da presidenta Dilma Rousseff. Nosso desejo é que todos os 97 milhões de pretos e pardos assim autodeclarados tenham acesso em igualdade de oportunidades aos bens econômicos e culturais produzidos no nosso país e não a presença nas favelas, presídios e nas funções menos qualificadas. As manifestações culturais afro-brasileiras precisam ser respeitadas, protegidas, difundidas e reconhecidas como formadoras da identidade nacional, mas nosso maior desejo é de uma sociedade mais democrática, onde pretos, pardos, indígenas, ciganos e não negros caminhem unidos pelo desenvolvimento de um país mais justo.

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