quarta-feira, 16 de março de 2011

Mocajuba: O Cine Panorama

Foto: Paulo Laredo (Facebook)
Paisagem, tempo em movimento.

Paisagem - ela é a dimensão visível do mundo. Para os geógrafos e geógrafas – é a porta de entrada para a leitura da realidade.


Paisagem, para nós geógrafos, não é uma imagem linda de um recanto dotado de beleza cênica. È a dimensão do mundo que se vê.

Paulo Laredo revela sua sensibilidade diante das mudanças da cidade. Onde muitos enxergam apenas um prédio em obras, ele vê o tempo em movimento.

A foto mostra o antigo CINEMA PANORAMA sendo reformado e transformado para abrigar outros serviços. Mostra aquilo que já foi o centro cultural da cidade, o ponto mais badalado de Mocajuba.

Depois de anos fechado confirmou-se que ele faz parte apenas da história da cidade.

 
Atualmente, o prédio do antigo cinema  foi comprado da família Braga (Neusa Braga) pelo médico mocajubense Arivaldo Meirelhes, especialista em fertilização humana que atua em Belém e é pouco visto pela cidade. Fontes locais tão conta de que o prédio em tela será transformado para abrigar uma escola que deve ser administrada pela “Professora Matilde”.

Não se trata apenas de mais um prédio que é readaptado. O CINE PANORAMA possui um papel destacado na história mocajubense. É marco de um tempo que nenhuma cidade do interior paraense tinha salas de exibição de filmes. Pois é. Mocajuba tinha uma.


reprodução
A rotina e o cotidiano local eram marcados pela chegada dos "rolos" de vídeo através dos barcos que faziam a linha Mocajuba-Belém-Mocajuba e aportavam no velho e já extinto trapiche municipal. Um desses barcos mais antigos chamava-se “Lustre”. Depois o Rodrigues Alves, o Julieu... E quem não se lembra da Chatina que fazia a linha Tucuruí-Belém-Tucuruí?


Os filmes chegavam aos sábados. E a chegada já era parte do evento.

Todo sábado, os adpetos aguardavam anciosos, uns sentados ainda nas cercas do trapiche antigo. Parafraseando o Pequeno Príncipe de Saint-Exupery:  quanto mais a hora de chegada do barco se aproximava, mas os moradores sentiam-se felizes. Na chegada do barco, muitos já estavam inquietos e agitados: descobriam o título da felicidade do dia.
Os moradores aguardam o barco Rodrigues Alves
Foto: FlogãoMocajuba

Neste novo milênio os barcos não são mais a referência de contato da cidade com mundo.Porque com a abertura, e depois o asfaltamento, da estrada PA-151, Mocajuba tem o ritmo de vida cada vez mais dual e com certa preponderância das estradas na conexão com outras regiões do Pará - por consequência do mundo.

O trapiche onde os barcos aportavam trazendo as tais "fitas de vídeo" - por total falta de sensibilidade dos gestores e elites de comando – deixou de existir.  Sumiu da paisagem.




Mocajuba 1989
O trapiche antigo à direita da foto
Foto: FlogãoMocajuba
 

É verdade que há muito tempo o CINE PANORAMA já não funcionava como tal. Paulo Laredo, o autor da primeira foto, conhece bem a trajetória do cinema e nos conta em detalhes. 

As sessões ocorriam aos sábados e domingos sempre às 19 horas. Sessões que constituiam verdadeiros eventos culturais cheio de magia, música e vibração.

Em sua fase áurea, o cinema exibia-se clássicos filmes de bang bang (faroeste) e os filmes de aventuras como Tarzan.

Eu não lembro.

Morava longe do CINE PANORAMA  e a prioridade em casa era comida. Não sobrava para o cinema. Mas o Paulo Laredo, de um outro ramo da família "Américo" sabe muito sobre o tema.

Exibia-se por lá  os filmes de luta  tendo o kung fu de Bruce Lee como parte central dos enredos.

O padre holandês administrador do cinema já não vivia mais na cidade e a administração passou a Francisco Braga Filho, “o Tiquinho”, que exibia também filmes pornôs. Já estávamos na década de 90 e numa fase muito decadente.

Ironicamente, o CINE PANORAMA que representou a modernidade na cidade e colocou-a na vanguarda das ações entretenimento estadual também foi traído pela modernização técnica, pelo avanço tecnológico, difusão de aparelhos eletro-eletrônicos e popularização das fitas VHS, quando o vídeo-cassete era artigo de luxo nas casas da classe média e alta Mocajubense, justamente quem constituía o público do CINEMA PANORAMA.

Em uma fase terminal do cinema "Tiquinho" mandava buscar os filmes em uma distribuidora no Maranhão. Tais filmes eram tão antigos e deteriorados que chegavam com ausência de algumas partes. Tinha uns “teus” que saiam tiririca porque o filme não tinha o final. 

Já pensou a raiva ?
È. O cinema agonizava.

Paulo Laredo conta o seguinte: o cine nem sempre funcionou no lugar que hoje abriga o prédio que está sendo reformado. Nasceu por iniciativa de um padre apaixonado pela grande tela e sua primeira instalação era a antiga casa paroquial, onde moravam os padres e que hoje não existe na paisagem mocajubense. Foi sucedida por casas particulares e depois por estabelecimentos comerciais.

Rua Alexandre Castro antes da rampa.
No detalhe a antiga casa paroquial e a oficina do Irmão Leonardo
Foto: FlogãoMocajuba


Em uma segunda fase,  foi transferido para Salão Paroquial (da igreja católica) onde funcionou muito por tempo. Segundo Paulo Laredo, um racha entre os padres (Padre Lino e o Irmão Leon) precipitou a mudança do cinema novamente.

Então, irmão Leonardo comprou um terreno na rua João Machado que pertencia ao professor Mauricio Lopes. Constriu sua residência, instalou o  cinema e uma oficina nos fundos. Durante muito tempo foi a forma de entretenimento de destaque no município.

Os filmes vinham no barco Lustre e eram esperados com ansiedade pelos moradores. Muitos tiveram o primeiro contacto com a sétima arte no Cine Panorama e depois afastaram dessa forma de entretenimento numa espécie de involução cultural.


A exibição dos filmes era uma verdadeira festa.

Antes de iniciar as sessões ouvia-se as músicas dos filmes de bang bang, a fanfarra... Nos intervalos, os espectadores também eram entretidos com o momento musical.

Os leitores devem estar pensando :

- Mas Carmen!!! Intervalo ! Mas como já?

É verdade!

Os filmes vinham em três rolos. Depois de cada rolo havia um intervalo para colocar o próximo.

Na frente do cinema ficavam os vendedores de guloseimas. Que pipoca e cola-cola, que nada !!!

Era chopp e pastel mesmo. Estes, não raro eram vendidos por crianças e adolescentes.

Neste intervalo, muitos "não pagantes" entravam sorrateiramente - como se já tivessem pagado. Não havia um controle com tícktes e coisas do gênero. Tudo funcionava com um controle visual  e o funcionário do cinema, conhecido como “Patrício”, não conseguia registrar exatamente todos os rostos que já tinham pagado as entradas.

Hoje a cidade segue outros rumos...

A mudança na paisagem é produto da história e dos novos tempos. Cabe a nós decifrarmos que tempo é esse.

Mocajuba, história, cultura e anedotas...


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