domingo, 26 de setembro de 2010

Entrevista com Ana Mira Valente Parte II

 
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Blog - Recentemente, circula nas “boas rodas” que Ana Mira Valente  dispõe-se a construir um projeto político para Mocajuba, disponibilizando seu nome para a construção de uma candidatura à prefeita do município (ou um projeto político) sob o princípio da renovação. Entendemos que ainda estamos distante das eleições, mas como o blog não é um instrumento eleitoral, convidamo-la para falar de gestão pública de forma ampla, para falar de mudança e da necessidade de construção de uma nova geração de gestores.
Em que consiste esta idéia de mudança e renovação na gestão? Há realmente necessidade de renovação ?
Ana Mira: Há que se mudar o conceito de mudança. Votou-se no Amadeu Braga, por exemplo, para mudar (de Wilde para Amadeu) o resultado todos já sabemos. Depois mais uma vez votou-se em Rosiel que seria a mudança (Wilde para Rosiel) e estamos vendo que as ações são retrógradas. Onde está a renovação afinal? Nos atores? A necessidade de renovação existe e é urgente, mas não pode ser apenas de pessoa, mas de idéias. É preciso que se invista em lideranças com idéias novas, pessoas cujos projetos sejam viáveis e que visem qualidade de vida para as pessoas.
Blog - Acreditas que existem elementos comuns entre os últimos gestores, mesmo que sejam de grupos político-familiares diferentes?
Ana Mira - Os elementos comuns são evidentes. As práticas são as mesmas: nepotismo, autoritarismo, gestão centralizadora, perseguição política, apadrinhamento político, falta de transparência e muita cara de pau.
Blog - Como a conduzir processo de mudança no quadro de uma sociedade que naturalizou, de certa forma, o uso privado da coisa pública, ou das coisas que são públicas: cargos, recursos, equipamentos e outros?
Ana Mira - Primeiro você tem que ter consciência do que significa coisa publica. Infelizmente, até o cidadão comum costuma confundir o público com o privado, quando, por exemplo, ocupa a calçada em frente a sua casa como se fosse sua. Na administração pública a coisa é mais séria ainda. O funcionário do hospital ou da escola tem que entender que ele está ali para servir o povo, daí o nome servidor público. O prefeito é eleito para administrar os recursos que são do povo. Porque existe uma caixa preta nos gastos do município se o dinheiro é publico? Por que a prefeitura, os secretários não divulgam suas prestações de contas na internet, ou no mural da Prefeitura?
Blog - Onde estariam “localizados” os seguimentos com potencial para construir uma nova forma de gestão verdadeiramente democrática ?
Ana Mira - Nos movimentos sociais, nas escolas, nas igrejas.
Blog - O legislativo tem uma função importante na boa gestão pública. Como a senhora avalia a atuação do atual grupo de vereadores ?
Ana Mira - Altamente comprometida com o poder executivo. O vereador precisa entender que ele não é eleito para defender o prefeito e sim para defender os interesses do povo. Executivo e Legislativo são poderes independentes entre si.
Blog - Mocajuba não é a cidade em que  viveu sua adolescência. Saudosismos à parte, como conduzir mudanças neste cenário?
Ana Mira - Em primeiro lugar é preciso encarar o problema de frente, e com coerência, para depois conduzir um processo de mudança de cenário.
 Fica muito fácil credenciar a violência á presença do Presídio, à estrada asfaltada ou à existência do Conselho Tutelar, porque são três fatores irreversíveis, e dessa forma, o poder público sugere que a sociedade aceite a violência, porque ele não pode se livrar de nenhum dos três.
Enquanto o gestor municipal não tiver a coragem de encarar a questão das drogas como uma coisa séria que está destruindo a sociedade, tirando a liberdade das pessoas de bem, a violência em Mocajuba vai aumentar a cada dia. Se formos analisar os homicídios, os roubos, os furtos e até os seqüestros, ocorridos na cidade, vamos constatar que a maioria é motivada pelas drogas.
Os prefeitos anteriores (Wilde Colares e Amadeu Braga) fecharam os olhos para essa questão, inclusive o Wilde tinha a visão equivocada de que segurança é problema do Estado. Já o prefeito atual criou a guarda municipal, em que alguns guardas andam armados(não sei se os mesmos tem permissão para tal), mas não apresentou para a sociedade um projeto viável para combater e prevenir a violência, ou seja, fez muito alarde e até agora não conseguiu reduzir os números e pelo contrário os homicídios vem aumentando, sem contar os pequenos furtos. Temos até vários casos de seqüestros, o que para nós é um absurdo.
 
Para conduzir um processo de mudança é preciso atacar com repressão e com prevenção. Chegou-se num estágio, que é hora de pisar no freio. E repressão se faz com polícia nas ruas. No nível em que nosso município chegou o número de policiais existente em Mocajuba é muito pequeno. É crucial que se instale polícia nos locais de maior risco, como o bairro da Pranxinha, por exemplo. Mas para isso é necessário coragem e investimento. E as parcerias com as polícias civil e militar e com a sociedade, é fundamental. Se você faz parceria, você pode exigir qualidade no serviço da polícia. Paralelamente, deve-se trabalhar a prevenção.
 
O CAPS(Centro de Atenção Psicossocial), por exemplo é uma instituição, que em alguns municípios, os psicólogos estão trabalhando com terapia de grupo de adolescentes que estão em situação de risco para que resistam ás drogas. No entanto, em Mocajuba, esse atendimento ainda é muito deficiente. Não há um atendimento efetivo, de 2ª a 6ª, como a gravidade do caso requer. Não se tem notícia de que pedagogos, psicólogos e assistentes sociais do CAPS estejam, efetivamente, na entidade,  cuidando dessas questões. O Psiquiatra do CAPS (esse sim, pode atender apenas uma vez no mês), tem uma função fundamental no tratamento dos dependentes químicos, que na sua maioria, são pobres e não podem pagar tratamento de desintoxicação. Dependência química é questão de saúde pública e tem de ser tratada como tal.
 
 
Um outro fator a considerar é a questão econômica. O município de Mocajuba foi um grande exportador de pimenta do reino. Nessa época nós importávamos mão-de-obra de toda a vizinhança. Os apanhadores de pimenta vinham no período da safra, mas muitos trabalhadores vieram de outros municípios e aqui se estabeleceram porque tinha trabalho o ano todo. Foi aí que ocorreu o inchamento da cidade. De repente, com a decadência da pimenta toda essa mão-de-obra ficou ociosa. Muitos foram embora, mas a maioria ficou perdida, sem trabalho. E viram seus filhos crescerem sem nenhuma perspectiva de vida.
 
Educação de qualidade também é outro fator importante. Se você for analisar o perfil dos menores infratores, a maioria é analfabeto funcional. Há de se investir em projetos que não evite a evasão escolar mas também seja capaz de devolver a esperança a esses jovens e adolescentes, para que a vida possa ter um outro sentido para eles. A maioria dos menores infratores são adolescentes sem sonhos, sem esperança.
 
Outra questão importante é o registro de ocorrências. Grande parte das pessoas que tem um objeto roubado não registra ocorrência, geralmente com o argumento de que a polícia não vai recuperar seu objeto. Na verdade, o registro da ocorrência é importante para que o poder público tenha noção do tamanho do problema e possa assim captar recursos para investir na segurança.
 
Ressalto também o problema da receptação. Enquanto tiver gente para comprar um celular roubado sempre vai haver alguém para roubar.
 
Blog -  E na educação, é preciso coragem para produzir mudanças ?
Ana Mira - É verdade. Muita gente critica, mas pouca gente propõe.
Recentemente assistimos a cena lamentável entre prefeito e professores, em que estes foram duramente criticados. O Prefeito não pode criticar um sistema que está sob a sua administração e que ele pode mudar. Criticar é papel da oposição. Seria mais coerente o gestor municipal propor medidas para melhorar em vez de tentar desmoralizar toda a classe. Seria bom se o prefeito desse uma olhadinha no desempenho das nossas escolas no IDEB e a partir daí sentasse com os professores, para juntos, elaborarem propostas para melhorar esses números. Porque se observarmos mais atentamente, veremos que Mocajuba tem um quadro excelente de professores, com um grande número deles com pós-graduação, no entanto, falta gestão, falta política de resultados.  Será que o município, não digo somente este governo, mas também os anteriores, tem dado condições de trabalho para esses profissionais? Será que estamos cuidando bem da base? Será que o número de alunos na 1ª série do ensino fundamental propicia uma aprendizagem de qualidade? Será que eles trabalham com material pedagógico adequado? Já foi perguntado aos professores da 1ª série se eles tem vocação para ensinar a ler? Já foi dada uma meta para os professores das séries iniciais cumprirem? Afinal, qual o projeto que este governo tem para a educação em nosso município?
 
Blog – As políticas de educação, de lazer e desporto  devem ser sustentadas objetivamente pelas políticas de geração de emprego e renda. Como fazer esta passagem ?
 
Ana Mira -  Acredito que é preciso construir a cultura do empreendedorismo. Na cidade, incentivando, o empreendedorismo individual. No campo, incentivando o agricultor ou agricultora para ser empreendedor rural. Já cheguei a casas “no centro” que todos os membros da família estavam com fome. È inaceitável que se coma hortifrutigranjeiros do Ceasa, de Belém. E por que isso acontece? Algum gestor municipal já se preocupou com isso?
 
A história do município pode ser mudada se as cooperativas e associações além da aquisição de créditos, se mobilizarem para incentivar, para organizar o agricultor. È obrigação do poder público oferecer a orientação para o agricultor familiar para produzir e gerar renda suficiente para o seu sustento e para o seu conforto. É preciso acreditar na célebre frase de Pero Vaz de caminha “Em se plantando tudo dá” e começar a incentivar o agricultor a produzir. E agora, com a Lei da Merenda Escolar, o próprio poder público pode absorver toda essa produção. E o prefeito pode preparar os agricultores, ajudando-os a legalizarem seus empreendimentos para assim poderem vender seus produtos para a Secretaria de educação. E para se conseguir formar empreendedores rurais é fundamental que se invista em educação de qualidade.
 
Blog - Isso se estende para as ilhas ou é preciso uma política territorial diferente ?
 
Ana Mira - Isso também se estende para as ilhas, pois lá são cultivados o cacau, o açaí, o taperebá, o miriti, etc.. Mas também os agricultores e as agricultoras das ilhas podem atuar no artesanato. Em Abaetetuba, por exemplo, os homens e as mulheres produzem artesanato de miriti, que já é conhecido mundialmente. Nós também temos condições de fazer isso. Nossas trabalhadoras fazem abano, peneira etc. Mas fazem para uso doméstico. Quando o turista vem a Mocajuba não tem nada para levar de lembrança, não há um souvenir. Isso também pode ser incentivado pelo poder público. Só precisa de vontade, de dar a importância que a questão merece. Muitos lugares já fazem isso, são experiências que deram certo e que podem ser reaplicadas em nosso município. O artesanato pode ser uma estratégia interessante de renda para as meninas da cidade também. Tapetes, trabalhos com fios, linhas etc.
 
Blog - Quanto ás últimas gestões a senhora pontua alguma grande transformação ?
 
Ana Mira - Houve alguns avanços. Na estrutura física da cidade, por exemplo, saímos do areal para uma cidade quase toda asfaltada ou acimentada, como queiram. Nossas escolas da cidade tem uma estrutura física razoável. Mas ainda está muito longe de ser uma cidade com qualidade de vida. Temos um lixão que nos avergonha pelos dois lados: para quem vem de Belém e para quem vem de Baião, temos esgoto a céu aberto. A questão ambiental em Mocajuba não é levada a sério. A preservação do meio ambiente é a questão do momento no resto do mundo, aqui no entanto, nos governos anteriores nem existia a Secretaria do meio ambiente. O prefeito atual a criou, mas não deu a importância que ela merece. A Secretaria de meio ambiente, hoje, se resume em uma saleta no prédio da Secretaria de Agricultura e só... enquanto em outros lugares ela é uma das grandes capitalisadoras de recursos.
 
Blog - È de conhecimento público que os últimos gestores locais estão sob a mira do TCM por não prestação de contas e o atual já está sendo chamado para prestar contas do FUNDEF. Como a senhora observa isso ?
 
Ana Mira - Eu vejo como falta de compromisso com a coisa pública. Parece que os gestores não tem a consciência de que o dinheiro é público. Administram os recursos como se fossem privados. Não tem respeito para com os cidadãos que pagam seus impostos em tudo que consomem e não tem o devido retorno quando precisam dos serviços públicos.
 
Blog - È possível parar este ciclo?
Ana Mira - È. Falta transparência. Sabe-se que o dinheiro foi recebido mas não se sabe como foi gasto. A transparência pode resolver. Falta também mobilização da sociedade. Os conselhos foram criados com essa intenção. Não sei como estão funcionando em Mocajuba. Em último caso, temos as URNAS, que é onde podemos corrigir tudo isso.
 
O bloco III será publicado amanhã (se atrasar não me xinguem, esperem)

2 comentários:

Reginaldo Ramos disse...

Parabens, Ana, pela entrevista e pela disposição em mudar Moca!

CAPS I disse...

PARA ESCLARECIMENTO DA POPULAÇÃO DE MOCAJUBA, de acordo com comentário segundo entrevista deste blogger. O CAPS I de Mocajuba/PA. possuem equipe multiprofissional - composta por psicóloga, Médico, enfermeira, assistente sociai,Psicopedagoga, onais, e técnicos administrativos. tem funcionamento de 08 as 18:00hs de no mínimo 03 profissionais de plantão a dar suporte a população. desenvolvendo suas atividades normais e com resultados. Portanto de acordo com a portaria nº 336/GM de 19 de fevereiro de 2002 o CAPS I é um serviço de atenção psicossocial com a capacidade operacional para atendimento aos municípios com populações entre 20.000 e 70.000 habitantes (TENDO O MUNICIPIO DE MOCAJUBA CERCA DE 26.686
HABITANTES SEGUNDO CENSO IBGE/2010. O Caps I de Mocajuba possui a capacidade técnica para desenpenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial com âmbito no seu território definido a forma Operacional de Assistência a Saúde (OAS). vale lembrar, que O CAPS com clientela de adolescente adulto que possui transtornos decorrentes dependentes de substancias psicoativas, são demandas do CAPS AD (ALCOOL E DROGA) que são implantados em Município com superior de 70 mil habitantes, quando esta demanda são encaminhadas ao nosso CAPS I mocajuba, os mesmos são devidamente orientados e encaminhandos a Municípios vizinhos e/ou a Capital do estado, Belém. portanto, O CAPS I DE MOCAJUBA/PA tem a finalidade de atender trasntornos mentais leves AOS DESINFORMADOS NÃO ESQUECER QUE: E DE RESPONSABILIDADE DO CAPS AD (ALCOOL E DROGA) TRATAR PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS DECORRENCORENTE AO USO ABSUSIVO ALCOOL E DROGAS.

"Veja bem, meu amigo, a consciência é um orgão vital e não um acessório, como as amígdalas e as adenóides."(Martin Amis)

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