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Mas não devia.
*A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
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Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
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Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
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Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
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Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
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E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
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A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
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Se acostuma para evitar feridas,
sangramentos,
para esquivar-se da faca e da baioneta,
para poupar o peito.
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A gente se acostuma para poupar a vida.
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Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
[Marina Colasanti]
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